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Educação

Obrigado FENPROF, obrigado FNE

Como a greve às avaliações finais não teve na sua génese a FENRPOF e/ou a FNE ela não teve, inicialmente, grande visibilidade na comunicação social. Tinha sido convocada pelo recém-criado Sindicato de Todos os Professores (S.TO.P).

Além disso, apesar do conhecido descontentamento dos professores, mais de 50.000 já se tinham manifestado no dia 19 de maio em Lisboa, o Ministério da Educação (ME) cometeu um tremendo erro de cálculo ao desvalorizar o impacto que esta poderia vir a ter.

Pode dizer-se que, sem querer, a FENPROF e a FNE contribuíram em larga medida para esta situação. Isto é, como estas duas plataformas sindicais só entregaram ao ME pré-avisos para greves às avaliações a partir do dia 18 de junho, este organismo do Estado ficou descansado.
Aliás, devem ter pensado que esta seria uma greve vazia de conteúdo. Mais uma. Os alunos do 9.º, do 11.º e do 12.º anos de escolaridade teriam as suas reuniões de avaliação, saberiam as suas notas, fariam os seus exames nacionais tranquilamente e iriam de férias até ao próximo ano letivo. Os restantes, teriam as suas notas lançadas, mais tarde, quando os professores estivessem cansados de fazer mais uma greve sem sentido, vissem o seu salário a derreter com o calor do verão e as suas férias em perigo.
Acontece que esta greve teve mais adesão do que seria de prever. E teve um impacto muito maior do que seria de esperar. Até a Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) já tomou o partido. O do Governo é claro. Emitiu um comunicado a afirmar que a educação é um direito de todas as crianças
Não o li. Mas li a notícia do DN onde esta associação de pais deu a conhecer a sua posição. No essencial, a CONFAP pediu uma intervenção “urgente” ao ME para “acautelar” a situação dos alunos. Pediu também a alteração da legislação que regulamenta o funcionamento dos conselhos de turma de avaliação.
Ou seja, a CONFAP quer que a presença obrigatória de todos os professores neste tipo de conselhos de turma não o seja. Porque para a CONFAP, na pessoa do seu presidente Jorge Ascensão, aquelas reuniões “são apenas uma formalidade“, uma vez que “as avaliações já estão previamente decididas” pelos professores.

Mas atenção que para este dirigente associativo a greve dos professores às avaliações é legítima, permitida. No entanto, considera que esta instrumentaliza a “educação” e que hipoteca o futuro dos alunos. Afirmando que “os pais compreendem a luta dos professores, mas não podem compreender esta forma de luta, que prejudica aqueles que trabalham”.

Sem comentários…

Assim, o ME está a tentar emendar a mão de todas as formas possíveis e imaginárias. Mesmo que algumas dessas medidas sejam autênticos atropelos à constituição, à lei do trabalho em funções públicas e ao código do trabalho.

Ao mesmo tempo está a ir ao encontro das pretensões da CONFAP. Assim se explica o aparecimento da famosa nota informativa da Direção-Geral dos estabelecimentos Escolares (DGEstE), assinada pela mão da sua diretora-geral.

Esta nota informativa teve o condão de unir vários dirigentes sindicais, mesmo aqueles que não tinham nada a ver com esta greve. Até o grande Mário Nogueira já apareceu nos canais generalistas a classificá-la como um “delírio”, uma “fantasia”, “ilegal” e “inconstitucional”.

Mas não é a nota que me preocupa. A DGEstE e/ou o ME também já perceberam que a nota informativa não preocupa. O que me preocupa é esta mensagem aos diretores/presidentes de CAP:

 

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Disparates de 8.º ano - luz

Indica uma situação do dia a dia onde seja usada uma lente convergente.

Os espelhos (retrovisores) dos carros.

Por exemplo um espelho de maquilhagem.

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Educação

O ensino parece a seleção

Já não há paciência para “notícias” sobre a seleção nacional de futebol na televisão. Notícias entre aspas porque elas não são notícias: a seleção está quase a partir para a Rússia, a seleção está quase a chegar à Rússia, a seleção está quase…
Depois surgem os tradicionais “especialistas”. Comentam as “notícias” e, fatalmente, dão as suas opiniões. Sobre a seleção. As escolhas do selecionador. As habilidades dos jogadores. Etc, etc, etc.
O que me transporta, por vezes, para o ensino(*). Parece a seleção. Toda a gente, ou quase, tem uma opinião formada sobre o assunto. E, pior, ninguém se inibe de a exprimir. A escola e os professores são obviamente os mais visados.
A escola tem de mudar. Tem de se adaptar ao século XXI. Não pode continuar (n)a mesma. Parece que parou no tempo. É demasiado transmissiva. Autoritária. Burocrática. Não valoriza os alunos. Reprime a criatividade. É só matemática, matemática, matemática. E as artes? As artes também são importantes. A escola pública não presta. E os colégios privados? Ah, nos colégios privados é que é. Etc, etc, etc.
E quanto aos professores? Têm férias a mais. Não querem trabalhar. Não fazem nada. São uns preguiçosos. Mandam demasiados trabalhos para casa (TPC). Não sabem ensinar. Não querem ser avaliados. Têm privilégios a mais. Têm sindicatos a mais. Só sabem fazer greves. Ganham muito. Ganham demais. Não há dinheiro para lhes pagar. Os maus ganham tanto como os bons. Etc, etc, etc.
Mas a coisa não se fica apenas pelo comentário popular, também temos a opinião científica.
A escola é uma organização que se pode analisar a partir de muitas perspetivas. Pode ser estudada a partir de modelos de análise tais como: a anarquia organizada, o caixote do lixo, a arena política. Não sendo os únicos modelos de análise, de facto há mais, mas estes têm nomes bastante curiosos.
Quanto aos professores, o que dizem os nossos académicos. Bem, esta é uma semiprofissão. Ou, não é uma profissão de todo. Depende dos “investigadores”, sociólogos das profissões, da educação e afins. Mesmo que alguns destes estudiosos também sejam professores. Professores universitários claro. Não haja confusões. E porquê? Porque os professores não têm autonomia profissional. Não controlam a admissão de novos membros. O Estado controla-os, proletariza-os, desqualifica-os, desqualifica o trabalho deles. Etc, etc, etc.
E, claro está, falta a visão que os próprios tem sobre si mesmos.
O trabalho de professor é instável. Precário. Mal pago. Pior, só o do selecionador nacional (de futebol) quando perde. Vive angustiado. Longe de casa. Longe da família. Não sabe se vai ter escola no ano letivo seguinte. Vive em conflito, quase permanente, com o Ministério da Educação (devia ser do ensino!). Não se identifica profissionalmente com os colegas. Acha que ensinar não é o mais importante. Sente que a sociedade não o respeita. Não o valoriza. Não tem autoridade. Seja dentro, seja fora da sala de aula. Além disso, não se considera um trabalhador comum. Considera-se uma espécie de sacerdote a quem foi confiada uma missão essencial. E por isso não faz, nem pode fazer, greves às aulas ou às avaliações. Prejudicar os alunos? Nunca, jamais em tempo algum. Etc, etc, etc.
Curioso é que estes “estados de alma” encontram-se documentados em várias investigações científicas, não só nossa orgulhosa nação, valente e imortal, mas em variadíssimos países. No Brasil, por exemplo, Anna Raquel Machado afirma que

A massificação do ensino, o desenvolvimento científico acelerado, que o professor não tem condições de seguir, demandas sociais que se transformam aceleradamente e que exigem uma “qualidade de ensino”, da qual não se explicita nem o significado, nem o objetivo; todo esse conjunto de fatores tem levado o ensino a uma crítica social contínua e, consequentemente, à desvalorização do papel social do professor e a um sentimento de baixa autoestima. Os múltiplos papéis que os professores desempenham, o excesso de alunos nas classes, a pouca motivação dos alunos para o ensino escolar, os baixos salários, a multiplicação das horas de trabalho e até mesmo a violência física a que estão expostos os professores criam uma situação de trabalho extremamente difícil.

Assim, assistimos a uma espécie de reconfiguração da profissão docente, o professor é subordinado ao aluno e à família, os alunos e os pais são aliados, interioriza-se uma ideia de mercado, cada vez menos verdadeira, de que o cliente tem sempre razão.
Daniella Barbosa Buttler, autora do livro Professor – Uma Imagem Esfacelada?, de onde retirei a citação anterior, diz-nos que

Circula no ideário social uma imagem de que o ensino não é trabalho, mas um sacerdócio. Como se os professores tivessem um dom, fossem profetas e não trabalhadores. É urgente, hoje, valorizar a profissão do professor e essa valorização requer que a significação, as condições e as questões desse exercício sejam conhecidas, compreendidas, clarificadas, questionadas, renegociadas e reconstruídas. (…) É preciso que o leitor, ao entrar em contato com textos de revistas, esteja atento para perceber as imagens construídas por elas, que seja capaz de criar também outras imagens possíveis do docente. Cabe a nós, professores e pesquisadores contribuirmos para alterar o quadro com novos modelos de professores e resgatar o valor social desse trabalhador e desse métier particular que é o ensino.

Neste sentido, apesar deste texto se ter estendido para lá do razoável, termino com uma recomendação: a conferência TED de Ken Robinson Do schools kill creativity? Tem mais de 50 milhões de visualizações…
Nesta conferência Ken Robinson questiona o funcionamento da escola nos dias de hoje. Mas o que apreciei particularmente foi a história que ele contou de Gillian Lynne, uma bailarina de sucesso que tinha problemas de aprendizagem na escola. Onde é que Gillian ultrapassou estes problemas? Numa escola de dança. Perceberam? Numa escola de dança. 🙂
(*) Deveríamos ter um ministério do “ensino” em vez da “educação”. Enquanto o primeiro termo resume aquela que é a principal função dos professores, o segundo termo corresponde à responsabilidade que muitos pais e encarregados de educação têm dificuldade em assumir.
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Educação

Sem evolução, não há negociação

No dia 19 de maio participei numa das maiores manifestações de professores realizadas desde os tempos da “Lurdinhas”. Éramos mais de 50.000 a demonstrar o nosso descontentamento pela Avenida da Liberdade abaixo.
Tive nesse dia a oportunidade de cumprimentar Jerónimo de Sousa, o secretário geral do Partido Comunista Português – eu, a minha careca e o vovô Jerónimo. Aproveitei a ocasião e perguntei-lhe pela minha carta aberta sem resposta por parte do PCP. Os assessores que o rodeavam perguntaram-me logo se a carta tinha alguma coisa a ver com o artigo 19.º. Não fazia ideia do que poderia tratar semelhante artigo, nem a que lei poderia pertencer…
Neste início de semana, a comunicação social encarregou-se de me esclarecer, pertence à Lei n.º 114/2017, mais conhecida por lei do orçamento do Estado para 2018, e afirma que:

A expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito, é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis.

Por outras palavras, o Governo obrigou-se legalmente em dezembro de 2017 a negociar em 2018 a forma como os professores, entre outro corpos especiais da função pública, irão recuperar 9 anos, 4 meses e 2 dias de tempo de serviço congelado.
Mas, pelas palavras do Ministro da Educação, na segunda-feira depois de algumas reuniões com sindicatos de professores, e do Primeiro Ministro, na terça-feira na Assembleia da República, percebe-se que publicar uma lei em Diário da República e dar cumprimento a essa mesma lei requer valores e princípios que nossos governantes não possuem.
Aliás, a afirmação “não havendo evolução, não há mais negociação” diz muito dos valores e princípios do senhor António Costa.
Qual é a parte do artigo 19.º é que o senhor Primeiro Ministro não percebe? Aquela que se refere ao tempo de serviço? A todo o tempo de serviço? Ou aquela em que se obriga a negociar o prazo e o modo como se irão concretizar as progressões?
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Adeus Portugal

Que comprimido queres tomar, o vermelho ou o azul?

Em 2012, assisti a algumas conferências que integravam o colóquio internacional A crise da(s) socialização(ões)?, organizado pelo Instituto de Educação da Universidade do Minho, em parceria com outras entidades.
A pedido do Professor Almerindo Janela Afonso, no âmbito do mestrado que estava a fazer na altura, escrevi um pequeno texto sobre o evento que reproduzo de seguida. O objetivo era relacionar algumas ideias dos palestrantes, o nosso contexto socioeconómico, resultante das graves crises de 2008 e 2011. Visto a esta distância, o atual contexto não me parece muito diferente.

As conferências a que tive oportunidade de assistir, inseridas num colóquio que abordou temáticas de teor porventura mais vastas, apresentaram-nos uma visão extremamente pessimista, do meu ponto de vista, da atual vida em sociedade.

Por um lado, Jean Ruffier teve a “amabilidade” de nos recordar que vivemos numa sociedade em que há uma elite que nos manipula sistematicamente, devido a uma tendência absurda, que nos é intrínseca, para a obediência. Tendência devidamente comprovada por Stanley Milgram com a sua famosa experiência sobre a obediência à autoridade. É de assinalar que esta experiência teve a pretensão de perceber como é que um ser humano consegue infligir um sofrimento fatal a outro ser humano, só porque obedece a ordens dadas por outro ser humano.

Por outro lado, a tríada esperança, promessa e futuro, nas palavras de Moisés Martins, parece irremediavelmente comprometida: não vamos ter futuro, nem vale a pena ter esperança nas promessas que nos fazem! Somos apenas escravos, numa prisão que não conseguimos ver, nem sentir…

Por momentos, parece que somos transportados para o “imaginário” construído pelos irmãos Wachowski, que em 1999 realizaram o filme Matrix. Temos à nossa frente Morpheus que nos dá a escolher entre tomar o comprimido azul ou o comprimido vermelho.

Clica aqui para recordar esta cena do filme.

Se nos decidirmos pelo comprimido azul, vamos poder acordar na nossa cama e continuar a acreditar naquilo que quisermos. Estratégia que faço corresponder a acatar passivamente o que nos é imposto.

Se nos decidirmos pelo comprimido vermelho vamos poder conhecer a verdade e todas as suas consequências. Estratégia que faço corresponder às palavras de Manuel Jacinto Sarmento ao encerrar o colóquio: depois de todo este pessimismo é chegado o tempo do optimismo da ação.

Lembrei-me deste texto a propósito da discussão gerada no Facebook, intensa e muitas vezes pessimista, por causa do anúncio da greve dos professores às avaliações.
Devo dizer que nas escolas a discussão não é tão intensa. Aliás… não existe discussão sequer. Anda tudo muito tranquilo. Por isso, deixo aqui duas sugestões musicais do António Variações que me parecem muito apropriadas ao momento. Uma espécie de comprimido azul versus comprimido vermelho:
  1. Estou Além
  2. Muda de Vida

Como donos de um enorme capital cultural que os caracteriza (tenho de voltar a este tema), os professores saberão interpretar tudo isto e escolher qual o melhor comprimido. Ou talvez não…

Atentem, no entanto, à simplicidade destes versos:

Olha que a vida não
Não é nem deve ser
Como um castigo que
Tu terás que viver