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Filósofo José Gil diz que o Ministério da Educação “virou todos contra todos”

PÚBLICO – No seu último livro apresenta o “homem avaliado” como sendo a “figura social do século XXI”. Trata-se de facto de uma alteração radical? Ser-se avaliado não é propriamente uma novidade destes tempos.

José Gil – Estamos a falar de uma situação generalizada na sociedade dita da modernização. Não é só em Portugal, é em toda a Europa. Não há duvida que não pode haver aprendizagem sem haver avaliação e que toda a aprendizagem, a mais arcaica que se conheça, a aprendizagem do discípulo que tinha um mestre na Renascença, na pintura, ou na Índia com um yogui que ensinava um discípulo. Em todas essas práticas há avaliação. Quer dizer a avaliação é inerente, necessária, à própria aprendizagem.
O que é que, se é que, se transformou nesta tal sociedade da modernização? O que é que se fez, modificou na ordem de relação entre aprendizagem e avaliação para que se possa falar agora de um homem avaliado para o século XXI? Tenho a impressão que há vários factores. Primeiro há um factor que acho fundamental. É que a avaliação arcaica era uma avaliação não quantitativa. Era uma avaliação mais qualitativa ou intensiva. Depois a avaliação tende a tornar-se funcional e se possível, quando possível, quantificada, desenvolvendo parâmetros.
E incluindo nesses parâmetros o próprio terreno de aprendizagem que não é quantificado. Há sempre na aprendizagem aquilo que se chamava antigamente na filosofia, e hoje também, a intuição. A intuição é fundamental porque se aprende à sua maneira. Não é um dado formal, universal, que se possa definir da mesma maneira para todos.

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Chumbar um aluno custa 6000 euros, ensiná-lo a estudar só 87

A retenção é uma medida “cara e inútil”, diz a presidente do Conselho Nacional de Educação. Outras opções são mais baratas e eficazes.

A cada ano, o chumbo de um aluno custa, em Portugal, cerca de 6000 euros. Esta é, entre as medidas que são usadas para combater o insucesso dos estudantes, a mais cara. É também pouco eficaz e, ao nível das aprendizagens, até faz o aluno regredir. Menos custoso, será ensinar os alunos a estudar, incentivar as tutorias entre as crianças e promover a aprendizagem por objectivos. O impacto dos diferentes tipos de abordagem no combate ao insucesso escolar foi adaptado para Portugal pelos investigadores do Aqeduto — um projecto de investigação para avaliação da qualidade e equidade em educação —, com base em estimativas feitas pela Education Endowment Foundation, uma organização independente inglesa criada em 2011 com o objectivo de promover as aprendizagens dos alunos mais carenciados.
Ensinar a estudar, dando feedback aos alunos sobre o seu desempenho em relação aos objectivos de aprendizagem estabelecidos, é a medida que tem um efeito mais positivo. Também está entre as mais baratas (87 euros). Aplicando-se estas práticas, os alunos ganham oito meses de progressos nas aprendizagens. É o que permite concluir a meta-análise de vários estudos internacionais (também feito pela Education Endowment Foundation e adaptado pelo Aqeduto) sobre os meses de aprendizagem que se ganham ou perdem com cada uma destas medidas em relação ao ano anterior à sua aplicação.
Entre as medidas que mais encargos representam surgem também as intervenções no pré-escolar, ou seja, promover aprendizagens estruturadas antes da entrada na escolaridade obrigatória. Custa cerca de 4389 euros. Promover o envolvimento e apoio dos pais também não é barato: cerca de 2633 euros. Já garantir o acompanhamento social e emocional das crianças representa um custo de 1755 euros por aluno a cada ano. Mas, apesar do custo, o impacto que estas medidas têm no sucesso escolar é positivo.
A retenção é a única, entre o conjunto de medidas estudadas, que tem um impacto negativo. Há um retrocesso estimado de quatro meses nas aprendizagens dos estudantes.

Há menos retenções

Em Portugal, “estamos a melhorar muito [os números da retenção]”, nota Maria Emília Brederode, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE). No relatório que se intitula Estado da Educação 2017, que o CNE vai apresentar esta quarta-feira, em Lisboa, os números revelam que a taxa de retenção é a mais baixa da década em todos os ciclos de ensino.
Mesmo assim, é um processo que “está a demorar”. Para a presidente do CNE, que considera a retenção uma medida “cara e inútil”, há um “facilitismo” associado ao acto de chumbar. De facto, “dá mais trabalho se formos ver onde estão as dificuldades, que outras maneiras existem de organizar as escolas e a aprendizagem”, comenta. “Reduzir as retenções obriga-nos a repensar a maneira de intervir.
Quanto à distribuição geográfica deste indicador, não há uniformidade ao longo do território. O Alto Tâmega e o Baixo Alentejo estão entre os lugares cimeiros em quase todos os anos de escolaridade. Regiões como o Alto Minho ou a Região de Leiria apresentam algumas das taxas de retenção mais baixas.
O 2.º ano apresenta números de retenção particularmente elevados. Em 2016/2017, 7,4% das crianças neste ano de escolaridade chumbaram. O mesmo aconteceu para os anos de transição de ciclo, como o 7.º (11,4%) e o 9.º (7%). Quando se analisa as idades dos alunos e se avalia a sua adequação com o ciclo de estudos que frequentam “subsiste um desfasamento que vai tomando maiores proporções à medida que se avança na idade e escolaridade”, lê-se no estudo do CNE. “Logo a partir do 1.º ciclo uma significativa percentagem de alunos apresenta um desfasamento etário de dois ou mais anos, que se vai acumulando ao longo dos três ciclos do ensino básico.”
Os números, diz a presidente do CNE, “chamam a atenção por mostrarem que é o próprio sistema de ensino que está desadequado”. Nesse sentido, sugere que seria benéfico repensar a organização dos ciclos de ensino. “Não temos uma proposta concreta, mas já houve várias”, nota. “A principal, e que é mais comum, é juntar estes dois anos [5.º e 6.º] ao primeiro ciclo.”

Avaliar a equidade

Uma novidade neste relatório é o capítulo exclusivamente dedicado à equidade na educação. Porquê focar neste tema? “É uma das dimensões essenciais de avaliação de um sistema educativo” e foi a forma encontrada de dar “importância àquilo que é feito”. Nesse sentido, o CNE fez um balanço dos programas que existem para fomentar a igualdade.
Um dos exemplos é o “Apoio mais — retenção zero”. Diz o CNE que, em 2016/2017, foram abrangidos os alunos do 8.º ano da Escola Básica Integrada de Ponta Garça, em São Miguel, e os do 6.º da Escola Básica e Secundária da Graciosa, ambas nos Açores. Durante este período foram aplicadas estratégias pedagógicas “inovadoras” (que o relatório não enumera) no âmbito das práticas, gestão de percursos escolares e apoio aos alunos. Resultado: todos os estudantes do 8.º passaram para o 9.º na escola de São Miguel. E 93% daqueles que estavam no 6.º na Graciosa transitaram para o ano seguinte.
Outro dado positivo que o relatório apresenta: nas 663 unidades orgânicas que integram o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE) registou-se uma descida da taxa de retenção e desistência do ensino básico entre 2015/2016 e 2016/2017, especialmente no 9.º ano (menos 2,4 pontos percentuais). O efeito deste programa também foi particularmente positivo no 2.º e 7.º ano, em que se registou um decréscimo de 1,8 e 1,7 pontos percentuais na taxa de retenção. A redução menos significativa aconteceu no 3.º e no 4.º ano.
A rede PNPSE cobre 82% do território nacional. Este programa foi lançado pela actual tutela e começou a ser aplicado em 2017. No âmbito deste plano as escolas elaboraram estratégias com vista à melhoria das aprendizagens principalmente nos anos iniciais de ciclo, que foram depois aprovados pelo ministério com vista ao reforço de meios para aplicar estas medidas. Foram abrangidos mais de 300 mil alunos dos vários ciclos.
In Público, Rita Marques Costa, 21 de Novembro de 2018
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currículo Educação flexibilidade

Temas em vez de disciplinas. Experiência avança em algumas escolas no próximo ano

Fundir disciplinas. Alternar semanas normais de trabalho, com semanas a trabalhar um só tema. Estes são apenas dois dos modelos propostos pelo Ministério da Educação. Às escolas cabe decidir. Experiência de “flexibilização” arranca só em algumas, no próximo ano.

À semelhança da Finlândia, Portugal também poderá ter uma experiência do que é o ensino por temas em vez de por disciplinas. Esta é pelo menos uma das propostas que o Ministério da Educação (ME) vai fazer às escolas no âmbito daquela que, até agora, tem sido chamada de “flexibilização curricular”, mas que nesta quarta-feira, durante uma “sessão de esclarecimento” para jornalistas, foi apelidada pelo ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, de “flexibilização pedagógica”.
Finalmente, depois de meses de anúncios pontuais, o ME indicou o que entende por “flexibilização”. E o que propõe traduz-se numa mudança profunda do modo como é encarado o tempo de ensino. A tutela vai desafiar as escolas, por exemplo, a suspenderem em semanas alternadas o tempo normal de aulas, para se dedicarem em conjunto, e com base numa perspectiva transdisciplinar, ao estudo de um tema.
Isto, garante, sem mudar as cargas lectivas totais inscritas nas matrizes curriculares e aproveitando a possibilidade que será dada aos estabelecimentos de ensino “de gerir até 25% da carga horária semanal” que está definida para cada ano de escolaridade. No 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, com uma carga média de 1400 minutos de aulas por semana, isso representa cerca de 350 minutos semanais para gerir.
A mesma abordagem por temas poderá ser experimentada de outra forma: as escolas podem optar por dedicar apenas uma parte da carga semanal lectiva de duas ou três disciplinas a um tema, trabalhando os professores dessas disciplinas em conjunto, segundo indicou o ME.
“O ministério que dê ideias, que serão bem-vindas, mas tem de dar liberdade às escolas para decidir o que é melhor”, comentou ao PÚBLICO o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas, Filinto Lima, frisando que as “mexidas têm de ser interiorizadas pelas escolas, onde os professores continuam assoberbados de tarefas”.
Os directores ainda não foram informados pelo ME destas propostas, mas o secretário de Estado da Educação, João Costa, garantiu que esta informação será apresentada na próxima semana durante mais uma ronda de reuniões com os responsáveis dos estabelecimentos escolares.

Mudanças só em algumas escolas para já

A abordagem por temas é apenas uma das hipóteses possíveis, de um cardápio mais vasto de opções de gestão do currículo (ver infografia no final deste texto). Às escolas caberá decidir o modelo. As mudanças começarão a ser aplicadas num grupo de escolas a partir do próximo ano lectivo, abrangendo só os anos iniciais de ciclo (5.º, 7.º e 10.º anos), segundo anunciou o ministro nesta quarta-feira. Haverá estabelecimentos de ensino que serão convidados a integrar o projecto-piloto, sendo que qualquer um se poderá propor para integrar este grupo. Ainda não se sabe quantos farão parte da experiência.
Só depois desta experiência e da sua avaliação, que será também feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, é que se procederá à sua extensão a outras escolas. “Estamos quase no final do 2.º período e as escolas precisam de sossego. É de bom-tom que se avance de forma faseada e nos anos iniciais de ciclo. É uma medida muito sensata porque o que se está a perspectivar é uma mudança estrutural da educação”, diz Filinto Lima.
Tiago Brandão Rodrigues garantiu que não serão mudados nem os programas, nem os currículos, nem as cargas horárias das disciplinas. “Não há uma reforma curricular imposta e abrupta”, garantiu o ministro. Este trabalho “não redundará na revogação dos actuais programas” e “a carga horária das disciplinas vai manter-se igual na generalidade”, esclareceu. Mais: “Não haverá adopção de novos manuais.
“Não houve nenhum recuo ou volte-face da nossa parte”, disse ainda o ministro, referindo-se às notícias que deram conta de que foi a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa que levaram o Ministério da Educação a optar por avançar apenas com um projecto-piloto no próximo ano lectivo e a reduzir a extensão das mudanças que estariam a ser preparadas.

APM defende revisão curricular

A presidente da Associação de Professores de Matemática (APM), Lurdes Figueiral, lamenta. “O trabalho que se está a fazer é muito importante, mas teria que ter consequências e uma coerência interna e para tal deveria dar origem a novos programas”, frisa. A APM é uma das associações de professores que têm estado a trabalhar com o ME na definição do que deverão ser as aprendizagens essenciais por disciplina.
A definição das aprendizagens essenciais é outra parte das mudanças que começarão a ser introduzidas, a partir do próximo ano lectivo, que arranca em Setembro, e, segundo João Costa, impõe-se porque a “extensão dos programas actuais está a impedir a consolidação das aprendizagens” por parte dos alunos.
Mas, para Lurdes Figueiral, “sem haver uma revisão curricular e dos programas, todo este trabalho pode ficar a meio e arrisca-se a morrer na praia”. Por isso, apela a que pelo menos seja feita a avaliação das consequências da aplicação dos novos programas de Matemática que entraram em vigor com Nuno Crato para que daí se possam tirar ilações.
Lurdes Figueiral não foi ainda informada pelo ME sobre as propostas de mudança dos tempos de ensino, mas no que respeita por exemplo à conversão de disciplinas anuais em semestrais frisa que tal levaria a uma nova organização do ano lectivo, que poderá recolher um largo apoio, já que o actual modelo é “muito desequilibrado, com um primeiro período muito longo e uma segundo e terceiro período que variam muito na sua duração por estarem dependentes da data da Páscoa”.

Clara Viana, Público, 22 de março de 2017
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aprendizagens essenciais currículo Educação flexibilidade

Continua a ser proposta uma “lógica balcanizada” do conhecimento

Professora da Universidade de Aveiro aplaude ideias que estão na origem da definição das aprendizagens essenciais, mas considera que os conteúdos propostos não estão à altura destas.

As chamadas aprendizagens essenciais foram elaboradas pelas associações de professores das várias disciplinas em conjunto com especialistas designados pelo Ministério da Educação, mas será que os seus conteúdos correspondem ao desafio lançado pela tutela? A professora do Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro, Dora Castro, tem dúvidas que assim seja.
“Os conteúdos propostos para o desenvolvimento das aprendizagens essenciais (básico e secundário) podem não corresponder efectivamente ao desejado pelo Ministério da Educação, pelo facto de o processo de operacionalização ter sido feito numa lógica disciplinar, faltando uma visão de articulação e integração dos conteúdos em termos interdisciplinares que, a existir, não é perceptível”, afirma ao PÚBLICO.
A interdisciplinaridade, por via da abordagem conjunta de temas escolhidos pelas escolas, é um dos pilares do projecto de flexibilidade curricular lançado pelo Ministério da Educação, no qual as aprendizagens essenciais são apresentadas como uma das peças centrais. Este projecto já foi aplicado em 2017/2018 em 230 escolas e será alargado no próximo ano lectivo a todas as outras.
Dora Castro, que tem vindo a estudar o processo de definição destas aprendizagens, frisa que “a flexibilização curricular exige uma nova forma de pensar a escola”, que poderá não estar acautelada nos documentos que o ministério colocou em consulta pública. “Continuamos a percepcionar uma lógica balcanizada da construção do conhecimento”, refere, para sublinhar que “as aprendizagens essenciais não são o mesmo que metas curriculares” porque se trata de “deslocar a centralidade nos conteúdos para a centralidade no sujeito aprendente”.
Também por essa razão, afirma, não se pode “insistir na comparação entre os documentos que enunciam as aprendizagens essenciais e os programas e metas curriculares, ainda em vigor, já que são de natureza distinta”. Esta docente lembra que, em matéria de currículo, “será sempre necessário fazer opções”, mas aponta uma mudança: “A diferença que se coloca agora é que muitas das opções serão feitas pelos próprios professores, nos seus contextos educativos, quando anteriormente quase todas as decisões eram produzidas pelo poder central conduzindo à uniformização de procedimentos”.
E é esta liberdade de escolha que leva a professora de Português do ensino secundário, Conceição Pereira, a questionar o seguinte: “Como se prepara um aluno para exame nacional quando a escolha [de conteúdos] é feita por cada escola”, já que este se destina a avaliar todos os alunos ao mesmo tempo e com as mesmas perguntas?
Dora Castro tem uma resposta. Afirma que os exames “condicionam fortemente as práticas docentes e são incongruentes com as lógicas de flexibilização curricular”, sendo portanto encontrar “outras formas de avaliação externa”. O director do Departamento de Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Andreas Schleicher, defendeu o mesmo quando, em Fevereiro, esteve em Portugal para apresentar as conclusões da primeira avaliação do projecto de flexibilidade curricular feita por aquela instituição.
Quando se desenham currículos existe um dilema entre estes “dois mundos” — o de ensinar para os exames e outro que privilegia a aprendizagem em torno de projectos e o trabalho colaborativo, disse. Conceição Pereira confirma: “A teoria é linda, porém a respectiva aplicação, sempre que um Governo toma posse, é uma verdadeira dor de cabeça”.
Clara Viana, Público, 26 de Julho de 2018
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Obrigado FENPROF, obrigado FNE

Como a greve às avaliações finais não teve na sua génese a FENRPOF e/ou a FNE ela não teve, inicialmente, grande visibilidade na comunicação social. Tinha sido convocada pelo recém-criado Sindicato de Todos os Professores (S.TO.P).

Além disso, apesar do conhecido descontentamento dos professores, mais de 50.000 já se tinham manifestado no dia 19 de maio em Lisboa, o Ministério da Educação (ME) cometeu um tremendo erro de cálculo ao desvalorizar o impacto que esta poderia vir a ter.

Pode dizer-se que, sem querer, a FENPROF e a FNE contribuíram em larga medida para esta situação. Isto é, como estas duas plataformas sindicais só entregaram ao ME pré-avisos para greves às avaliações a partir do dia 18 de junho, este organismo do Estado ficou descansado.
Aliás, devem ter pensado que esta seria uma greve vazia de conteúdo. Mais uma. Os alunos do 9.º, do 11.º e do 12.º anos de escolaridade teriam as suas reuniões de avaliação, saberiam as suas notas, fariam os seus exames nacionais tranquilamente e iriam de férias até ao próximo ano letivo. Os restantes, teriam as suas notas lançadas, mais tarde, quando os professores estivessem cansados de fazer mais uma greve sem sentido, vissem o seu salário a derreter com o calor do verão e as suas férias em perigo.
Acontece que esta greve teve mais adesão do que seria de prever. E teve um impacto muito maior do que seria de esperar. Até a Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) já tomou o partido. O do Governo é claro. Emitiu um comunicado a afirmar que a educação é um direito de todas as crianças
Não o li. Mas li a notícia do DN onde esta associação de pais deu a conhecer a sua posição. No essencial, a CONFAP pediu uma intervenção “urgente” ao ME para “acautelar” a situação dos alunos. Pediu também a alteração da legislação que regulamenta o funcionamento dos conselhos de turma de avaliação.
Ou seja, a CONFAP quer que a presença obrigatória de todos os professores neste tipo de conselhos de turma não o seja. Porque para a CONFAP, na pessoa do seu presidente Jorge Ascensão, aquelas reuniões “são apenas uma formalidade“, uma vez que “as avaliações já estão previamente decididas” pelos professores.

Mas atenção que para este dirigente associativo a greve dos professores às avaliações é legítima, permitida. No entanto, considera que esta instrumentaliza a “educação” e que hipoteca o futuro dos alunos. Afirmando que “os pais compreendem a luta dos professores, mas não podem compreender esta forma de luta, que prejudica aqueles que trabalham”.

Sem comentários…

Assim, o ME está a tentar emendar a mão de todas as formas possíveis e imaginárias. Mesmo que algumas dessas medidas sejam autênticos atropelos à constituição, à lei do trabalho em funções públicas e ao código do trabalho.

Ao mesmo tempo está a ir ao encontro das pretensões da CONFAP. Assim se explica o aparecimento da famosa nota informativa da Direção-Geral dos estabelecimentos Escolares (DGEstE), assinada pela mão da sua diretora-geral.

Esta nota informativa teve o condão de unir vários dirigentes sindicais, mesmo aqueles que não tinham nada a ver com esta greve. Até o grande Mário Nogueira já apareceu nos canais generalistas a classificá-la como um “delírio”, uma “fantasia”, “ilegal” e “inconstitucional”.

Mas não é a nota que me preocupa. A DGEstE e/ou o ME também já perceberam que a nota informativa não preocupa. O que me preocupa é esta mensagem aos diretores/presidentes de CAP:

 

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O ensino parece a seleção

Já não há paciência para “notícias” sobre a seleção nacional de futebol na televisão. Notícias entre aspas porque elas não são notícias: a seleção está quase a partir para a Rússia, a seleção está quase a chegar à Rússia, a seleção está quase…
Depois surgem os tradicionais “especialistas”. Comentam as “notícias” e, fatalmente, dão as suas opiniões. Sobre a seleção. As escolhas do selecionador. As habilidades dos jogadores. Etc, etc, etc.
O que me transporta, por vezes, para o ensino(*). Parece a seleção. Toda a gente, ou quase, tem uma opinião formada sobre o assunto. E, pior, ninguém se inibe de a exprimir. A escola e os professores são obviamente os mais visados.
A escola tem de mudar. Tem de se adaptar ao século XXI. Não pode continuar (n)a mesma. Parece que parou no tempo. É demasiado transmissiva. Autoritária. Burocrática. Não valoriza os alunos. Reprime a criatividade. É só matemática, matemática, matemática. E as artes? As artes também são importantes. A escola pública não presta. E os colégios privados? Ah, nos colégios privados é que é. Etc, etc, etc.
E quanto aos professores? Têm férias a mais. Não querem trabalhar. Não fazem nada. São uns preguiçosos. Mandam demasiados trabalhos para casa (TPC). Não sabem ensinar. Não querem ser avaliados. Têm privilégios a mais. Têm sindicatos a mais. Só sabem fazer greves. Ganham muito. Ganham demais. Não há dinheiro para lhes pagar. Os maus ganham tanto como os bons. Etc, etc, etc.
Mas a coisa não se fica apenas pelo comentário popular, também temos a opinião científica.
A escola é uma organização que se pode analisar a partir de muitas perspetivas. Pode ser estudada a partir de modelos de análise tais como: a anarquia organizada, o caixote do lixo, a arena política. Não sendo os únicos modelos de análise, de facto há mais, mas estes têm nomes bastante curiosos.
Quanto aos professores, o que dizem os nossos académicos. Bem, esta é uma semiprofissão. Ou, não é uma profissão de todo. Depende dos “investigadores”, sociólogos das profissões, da educação e afins. Mesmo que alguns destes estudiosos também sejam professores. Professores universitários claro. Não haja confusões. E porquê? Porque os professores não têm autonomia profissional. Não controlam a admissão de novos membros. O Estado controla-os, proletariza-os, desqualifica-os, desqualifica o trabalho deles. Etc, etc, etc.
E, claro está, falta a visão que os próprios tem sobre si mesmos.
O trabalho de professor é instável. Precário. Mal pago. Pior, só o do selecionador nacional (de futebol) quando perde. Vive angustiado. Longe de casa. Longe da família. Não sabe se vai ter escola no ano letivo seguinte. Vive em conflito, quase permanente, com o Ministério da Educação (devia ser do ensino!). Não se identifica profissionalmente com os colegas. Acha que ensinar não é o mais importante. Sente que a sociedade não o respeita. Não o valoriza. Não tem autoridade. Seja dentro, seja fora da sala de aula. Além disso, não se considera um trabalhador comum. Considera-se uma espécie de sacerdote a quem foi confiada uma missão essencial. E por isso não faz, nem pode fazer, greves às aulas ou às avaliações. Prejudicar os alunos? Nunca, jamais em tempo algum. Etc, etc, etc.
Curioso é que estes “estados de alma” encontram-se documentados em várias investigações científicas, não só nossa orgulhosa nação, valente e imortal, mas em variadíssimos países. No Brasil, por exemplo, Anna Raquel Machado afirma que

A massificação do ensino, o desenvolvimento científico acelerado, que o professor não tem condições de seguir, demandas sociais que se transformam aceleradamente e que exigem uma “qualidade de ensino”, da qual não se explicita nem o significado, nem o objetivo; todo esse conjunto de fatores tem levado o ensino a uma crítica social contínua e, consequentemente, à desvalorização do papel social do professor e a um sentimento de baixa autoestima. Os múltiplos papéis que os professores desempenham, o excesso de alunos nas classes, a pouca motivação dos alunos para o ensino escolar, os baixos salários, a multiplicação das horas de trabalho e até mesmo a violência física a que estão expostos os professores criam uma situação de trabalho extremamente difícil.

Assim, assistimos a uma espécie de reconfiguração da profissão docente, o professor é subordinado ao aluno e à família, os alunos e os pais são aliados, interioriza-se uma ideia de mercado, cada vez menos verdadeira, de que o cliente tem sempre razão.
Daniella Barbosa Buttler, autora do livro Professor – Uma Imagem Esfacelada?, de onde retirei a citação anterior, diz-nos que

Circula no ideário social uma imagem de que o ensino não é trabalho, mas um sacerdócio. Como se os professores tivessem um dom, fossem profetas e não trabalhadores. É urgente, hoje, valorizar a profissão do professor e essa valorização requer que a significação, as condições e as questões desse exercício sejam conhecidas, compreendidas, clarificadas, questionadas, renegociadas e reconstruídas. (…) É preciso que o leitor, ao entrar em contato com textos de revistas, esteja atento para perceber as imagens construídas por elas, que seja capaz de criar também outras imagens possíveis do docente. Cabe a nós, professores e pesquisadores contribuirmos para alterar o quadro com novos modelos de professores e resgatar o valor social desse trabalhador e desse métier particular que é o ensino.

Neste sentido, apesar deste texto se ter estendido para lá do razoável, termino com uma recomendação: a conferência TED de Ken Robinson Do schools kill creativity? Tem mais de 50 milhões de visualizações…
Nesta conferência Ken Robinson questiona o funcionamento da escola nos dias de hoje. Mas o que apreciei particularmente foi a história que ele contou de Gillian Lynne, uma bailarina de sucesso que tinha problemas de aprendizagem na escola. Onde é que Gillian ultrapassou estes problemas? Numa escola de dança. Perceberam? Numa escola de dança. 🙂
(*) Deveríamos ter um ministério do “ensino” em vez da “educação”. Enquanto o primeiro termo resume aquela que é a principal função dos professores, o segundo termo corresponde à responsabilidade que muitos pais e encarregados de educação têm dificuldade em assumir.
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Sem evolução, não há negociação

No dia 19 de maio participei numa das maiores manifestações de professores realizadas desde os tempos da “Lurdinhas”. Éramos mais de 50.000 a demonstrar o nosso descontentamento pela Avenida da Liberdade abaixo.
Tive nesse dia a oportunidade de cumprimentar Jerónimo de Sousa, o secretário geral do Partido Comunista Português – eu, a minha careca e o vovô Jerónimo. Aproveitei a ocasião e perguntei-lhe pela minha carta aberta sem resposta por parte do PCP. Os assessores que o rodeavam perguntaram-me logo se a carta tinha alguma coisa a ver com o artigo 19.º. Não fazia ideia do que poderia tratar semelhante artigo, nem a que lei poderia pertencer…
Neste início de semana, a comunicação social encarregou-se de me esclarecer, pertence à Lei n.º 114/2017, mais conhecida por lei do orçamento do Estado para 2018, e afirma que:

A expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito, é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis.

Por outras palavras, o Governo obrigou-se legalmente em dezembro de 2017 a negociar em 2018 a forma como os professores, entre outro corpos especiais da função pública, irão recuperar 9 anos, 4 meses e 2 dias de tempo de serviço congelado.
Mas, pelas palavras do Ministro da Educação, na segunda-feira depois de algumas reuniões com sindicatos de professores, e do Primeiro Ministro, na terça-feira na Assembleia da República, percebe-se que publicar uma lei em Diário da República e dar cumprimento a essa mesma lei requer valores e princípios que nossos governantes não possuem.
Aliás, a afirmação “não havendo evolução, não há mais negociação” diz muito dos valores e princípios do senhor António Costa.
Qual é a parte do artigo 19.º é que o senhor Primeiro Ministro não percebe? Aquela que se refere ao tempo de serviço? A todo o tempo de serviço? Ou aquela em que se obriga a negociar o prazo e o modo como se irão concretizar as progressões?
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aprendizagem Columbia University Educação memória práticas letivas Teachers College

Melhoria das práticas letivas dos professores

Multi-Store Model of Memory by Matteo Farinella
O entendimento que os professores têm acerca do funcionamento da memória poderá servir à melhoria das suas práticas letivas?
  1. Uma aprendizagem é significativa quando os alunos relacionam novos conhecimentos com os conhecimentos que já existem na sua memória, os conhecimentos prévios.
  2. Quanto mais os alunos processarem e pensarem nos conhecimentos adquiridos, mais duradouras e recuperáveis as memórias serão. Isto, geralmente, envolve um diálogo entre a memória de curto prazo e a memória de longo prazo. Ou seja, têm de pensar para aprender, têm de processar de forma ativa e consciente as novas informações, ou as novas experiências.
  3. Se não se verificarem os dois pontos anteriores, os alunos podem estar muito atentos nas aulas, trabalhar muito, mas as suas aprendizagens serão pouco significativas. Os novos conhecimentos não serão armazenados de forma duradoura na memória de longo prazo. E pior, não poderão ser usados mais tarde, principalmente fora do contexto da sala de aula.
  4. De acordo com este modelo, a memória de curto prazo desempenha um papel muito importante. No entanto, ela é limitada, no tempo e na capacidade, o que condiciona naturalmente as aprendizagens.
Ao longo do processo que nos permite criar novas memórias, a memória de trabalho desempenha um papel fundamental. É na memória de trabalho que ocorrem os pensamentos, as tomadas de decisão. É aqui que se desenvolvem os processos que permitem resolver problemas, que o raciocínio se elabora. Em última instância, é onde atribuímos significado ao mundo que nos rodeia.
A memória de trabalho tem uma capacidade reduzida, ainda mais reduzida que a memória de curto prazo, apesar de poder ser ampliada se recorrermos à memória de longo prazo. Assim, é fundamental que os alunos sejam capazes de processar informações na memória de trabalho, de maneira eficiente, sem ultrapassar a sua capacidade.
O que nos leva ao conceito de carga cognitiva: quantidade total de atividade mental imposta à memória de trabalho, em qualquer instante.