Excelentíssimo Senhor Presidente da República Portuguesa, Professor Doutor Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa,
Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal Constitucional, Professor Doutor Manuel da Costa Andrade,
Excelentíssimo Senhor Primeiro Ministro da República Portuguesa, Dr. António Luís Santos da Costa,
Excelentíssimo Senhor Ministro das Finanças, Professor Doutor Mário José Gomes de Freitas Centeno,
Excelentíssimo Senhor Ministro da Educação, Professor Doutor Tiago Brandão Rodrigues,
Excelentíssimos Senhores Deputados da Assembleia da República,
Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembleia da República, Dr. Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues,
Dirijo-me a Vossas Excelências para lhes dar conta de uma situação que me parece extremamente injusta.
Em função de políticas adotadas no passado, nem sempre claras, de conjunturas económicas internacionais difíceis, Portugal teve de enfrentar sucessivas crises financeiras neste início de século. Como é sabido, as soluções aplicadas para resolver estas crises tiveram graves consequências na vida dos portugueses. De má memória para muitos: houve desemprego, emigração, redução de prestações sociais, etc…
Mas, com a ajuda de “todos”, o país conseguiu “virar a página da austeridade”.
Eu, que sou professor numa escola básica do norte do país, à semelhança de centenas de milhares de funcionários públicos, vi a minha carreira congelada nos períodos compreendidos entre:
• 30 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007;
• 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017.
Além deste congelamento, o XIX Governo Constitucional também aumentou a minha contribuição para a ADSE (aumento que o atual Governo manteve/mantém), reduziu o meu salário e obrigou-me a pagar uma sobretaxa.
Estas e outras medidas redundaram “num enorme aumento de impostos” que, direta e indiretamente, reduziram consideravelmente a minha remuneração.
Entretanto, desde 2015, o XXI Governo Constitucional liderado pelo Dr. António Costa “devolveu” alguns rendimentos aos portugueses, nomeadamente aos funcionários públicos.
Por ser professor, como referi anteriormente, faço parte de “um corpo especial da Administração Pública dotado de uma carreira própria” (n.º 1, artigo 34.º, Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro).
Pelo desempenho das minhas funções, tenho direito a um salário que depende de “índices remuneratórios diferenciados”, de acordo com o n.º 4, do artigo 34.º, do Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro (tabela 1).
Tabela 1: tabela a que se refere o n.º 4 do artigo 34.º, Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro |
No dia 1 de janeiro, as carreiras dos funcionários públicos foram “descongeladas”. Nessa data, porque se verificavam todos os requisitos previstos no artigo 37.º, do referido Decreto-Lei, também conhecido por estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básicos e secundários, ou mais abreviadamente o estatuto da carreira docente (ECD), vi alterado o meu índice remuneratório, através da mudança do 2.º para o 3.º escalão. Passei do índice remuneratório 188 para o índice remuneratório 205.
Não obstante esta mudança apenas se ter materializado no mês de março, dando lugar ao pagamento de “retroativos”, o meu vencimento ilíquido passou a ser, desde 1 de janeiro, de 1 748, 25 euros (figura 1).
Figura 1: o meu recibo de vencimento do mês de março |
Acontece que outros professores, também eles no 3.º escalão e com o mesmo índice remuneratório, o 205, auferem um vencimento ilíquido de 1864,19 euros (figura 2).
Figura 2: recibo de vencimento do mês de março de um professor no 3.º escalão |
Como é que ao mesmo índice remuneratório correspondem dois vencimentos diferentes?
Dirá o Senhor Ministro das Finanças que esta diferença se explica pela aplicação do n.º 8 do artigo 18.º, da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro – a lei do Orçamento do Estado para 2018.
Tenho outra explicação. Porque progredi na minha carreira profissional, o Governo acha que não tenho direito à totalidade do acréscimo remuneratório, a que tenho direito, e que resulta desta progressão.
Em vez disso, o Governo decidiu aplicar-me as seguintes penalizações:
• de janeiro a agosto de 2018 → 115,94 euros mensais;
• de setembro de 2018 a abril de 2018 → 77, 30 euros mensais;
• de maio a novembro de 2019 → 38,65 euros mensais.
Talvez o termo penalização não seja o mais adequado, até porque não fiz nada para merecer tal castigo. Apenas progredi na minha carreira profissional. Assim, o melhor seria chamar-lhe taxa especial, sobretaxa, imposto, contribuição, ou outra coisa qualquer…
Acontece que esta taxa, sobretaxa, imposto, contribuição, ou outra coisa qualquer que se lhe queira chamar, irá totalizar 1.816,47 euros (mil e oitocentos e dezasseis euros e quarenta e sete cêntimos). Por outras palavras, em dois anos, o Ministério da Educação, a minha entidade patronal, não me pagará um salário.
Nada mal, para quem afirma diariamente que já virou “a página da austeridade”.
Mas o que me espanta não é o silencio que recai sobre este tipo de atitudes que o Governo, por intermédio de um ministério, adota para com os seus funcionários. O que me espanta é a facilidade com que o XXI Governo Constitucional atropela a Constituição da República.
E o que me espanta ainda mais, é a Constituição da República ser atropelada com a cumplicidade de Vossas Excelências.
O que é feito do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição?
“Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”
Porque estou a ser discriminado?
O estatuto da carreira docente (ECD) foi porventura alterado? O Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro, foi revogado? Foram alteradas as carreiras dos educadores de infância, dos professores dos ensinos básicos e secundários?
Não me importo de ajudar o país a ultrapassar as dificuldades financeiras que enfrenta. Tenho essa obrigação moral. Sou cidadão português.
Mas porque não somos todos chamados a ajudar?
Porque não somos todos iguais perante a lei?
Porque não dão Vossas Excelências cumprimento ao artigo 13.º da Constituição? E no desempenho das Vossas funções, porque não zelam pelo seu cumprimento?
Senhor Presidente da República, Senhor Presidente da Assembleia da República, Senhor Presidente do Tribunal Constitucional, Senhor Primeiro Ministro, Senhor Ministro das Finanças, Senhor Ministro da Educação, Senhores Deputados da Assembleia da República não posso compreender o vosso silêncio.
Numa altura em que estamos quase a celebrar os 44 anos da Revolução do 25 de abril, Vossas Excelências deveriam ser o nosso principal bastião na defesa dos direitos, da justiça, do respeito, da dignidade e da igualdade.
Agradecendo antecipadamente a atenção de Vossas Excelências, subscrevo-me atenciosamente
Gil Nunes