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Continua a ser proposta uma “lógica balcanizada” do conhecimento

Professora da Universidade de Aveiro aplaude ideias que estão na origem da definição das aprendizagens essenciais, mas considera que os conteúdos propostos não estão à altura destas.

As chamadas aprendizagens essenciais foram elaboradas pelas associações de professores das várias disciplinas em conjunto com especialistas designados pelo Ministério da Educação, mas será que os seus conteúdos correspondem ao desafio lançado pela tutela? A professora do Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro, Dora Castro, tem dúvidas que assim seja.
“Os conteúdos propostos para o desenvolvimento das aprendizagens essenciais (básico e secundário) podem não corresponder efectivamente ao desejado pelo Ministério da Educação, pelo facto de o processo de operacionalização ter sido feito numa lógica disciplinar, faltando uma visão de articulação e integração dos conteúdos em termos interdisciplinares que, a existir, não é perceptível”, afirma ao PÚBLICO.
A interdisciplinaridade, por via da abordagem conjunta de temas escolhidos pelas escolas, é um dos pilares do projecto de flexibilidade curricular lançado pelo Ministério da Educação, no qual as aprendizagens essenciais são apresentadas como uma das peças centrais. Este projecto já foi aplicado em 2017/2018 em 230 escolas e será alargado no próximo ano lectivo a todas as outras.
Dora Castro, que tem vindo a estudar o processo de definição destas aprendizagens, frisa que “a flexibilização curricular exige uma nova forma de pensar a escola”, que poderá não estar acautelada nos documentos que o ministério colocou em consulta pública. “Continuamos a percepcionar uma lógica balcanizada da construção do conhecimento”, refere, para sublinhar que “as aprendizagens essenciais não são o mesmo que metas curriculares” porque se trata de “deslocar a centralidade nos conteúdos para a centralidade no sujeito aprendente”.
Também por essa razão, afirma, não se pode “insistir na comparação entre os documentos que enunciam as aprendizagens essenciais e os programas e metas curriculares, ainda em vigor, já que são de natureza distinta”. Esta docente lembra que, em matéria de currículo, “será sempre necessário fazer opções”, mas aponta uma mudança: “A diferença que se coloca agora é que muitas das opções serão feitas pelos próprios professores, nos seus contextos educativos, quando anteriormente quase todas as decisões eram produzidas pelo poder central conduzindo à uniformização de procedimentos”.
E é esta liberdade de escolha que leva a professora de Português do ensino secundário, Conceição Pereira, a questionar o seguinte: “Como se prepara um aluno para exame nacional quando a escolha [de conteúdos] é feita por cada escola”, já que este se destina a avaliar todos os alunos ao mesmo tempo e com as mesmas perguntas?
Dora Castro tem uma resposta. Afirma que os exames “condicionam fortemente as práticas docentes e são incongruentes com as lógicas de flexibilização curricular”, sendo portanto encontrar “outras formas de avaliação externa”. O director do Departamento de Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Andreas Schleicher, defendeu o mesmo quando, em Fevereiro, esteve em Portugal para apresentar as conclusões da primeira avaliação do projecto de flexibilidade curricular feita por aquela instituição.
Quando se desenham currículos existe um dilema entre estes “dois mundos” — o de ensinar para os exames e outro que privilegia a aprendizagem em torno de projectos e o trabalho colaborativo, disse. Conceição Pereira confirma: “A teoria é linda, porém a respectiva aplicação, sempre que um Governo toma posse, é uma verdadeira dor de cabeça”.
Clara Viana, Público, 26 de Julho de 2018
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Adeus Portugal

O Governo das esquerdas e o princípio constitucional do direito a salário igual para trabalho igual

Excelentíssima Senhora Provedora de Justiça,
Por ser professor faço parte de “um corpo especial da Administração Pública dotado de uma carreira própria” (n.º 1, artigo 34.º, Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro).
O Decreto-Lei atrás referido é conhecido por Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, por Estatuto da Carreira Docente (ECD).
À semelhança de centenas de milhares de funcionários públicos vi a minha carreira “congelada” nos períodos compreendidos entre:
  • 30 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007;
  • 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017.

 

Pelo desempenho das minhas funções recebo um salário que depende de “índices remuneratórios  diferenciados” (n.º 4, artigo 34.º, Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro).
Tabela 1: tabela a que se refere o n.º 4, artigo 34.º, Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro
No dia 1 de janeiro, “descongeladas” as carreiras dos funcionários públicos e observados os requisitos necessários (n.os 2 e 3, artigo 34.º, Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro), foi-me concedido o direito a progredir na minha carreira: mudei do 2.º para o 3.º escalão.
Com esta progressão o meu índice remuneratório foi alterado (n.º 1, artigo 34.º, Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro): mudei do índice 188 para o índice 205.
Assim, desde 1 de janeiro, o meu vencimento ilíquido passou a ser 1.748,25 euros (figura 1).
Figura 1: o meu recibo de vencimento do mês de março
Acontece que outros professores, no mesmo escalão (3.º) e com o mesmo índice remuneratório (205), recebem um salário ilíquido superior ao meu: 1.864,19 euros (figura 2).
Figura 2: recibo de vencimento do mês de março de outro professor no 3.º escalão
Como é que dois professores, no mesmo escalão, com o mesmo índice remuneratório, que realizam trabalho da mesma natureza e em igual quantidade recebem vencimentos diferentes?
Coloquei esta questão aos serviços administrativos do agrupamento de escolas onde trabalho. Responderam-me que esta situação resultava da aplicação do n.º 8 do artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro – a Lei do Orçamento do Estado para 2018.
Contudo, parece-me que a aplicação deste normativo é uma medida injusta e discriminatória, na medida em que o Governo não respeita o artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa.
Mas porque viola o Governo o princípio constitucional do direito a salário igual para trabalho igual ao aplicar o n.º 8 do artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro? Se este mesmo Governo, em abril deste ano, pediu a fiscalização da constitucionalidade do número 6 do artigo 5.º da Lei n.º 17/2018, de 19 de abril? Uma lei aprovada pela Assembleia da República… E porquê? Porque o Governo acha que esta norma viola o princípio constitucional do direito a salário igual para trabalho igual… O mesmo princípio constitucional que está agora a violar…
Na prática, o desrespeito deste princípio constitucional por parte do Governo, comparativamente com outros professores no mesmo escalão (3.º) e com o mesmo índice remuneratório (205), traduz-se na aplicação das seguintes sanções remuneratórias ao meu salário:
  • de janeiro a agosto de 2018 → 115,94 euros mensais;
  • de setembro de 2018 a abril de 2018 → 77, 30 euros mensais;
  • de maio a novembro de 2019 → 38,65 euros mensais.

 

Talvez a expressão “sanções remuneratórias” não seja a mais adequada, até porque nada fiz para merecer tal castigo. Apenas progredi na minha carreira profissional. Assim, o melhor seria chamar-lhe taxa especial, sobretaxa, imposto, contribuição, ou outra coisa qualquer…
Acontece que esta taxa especial, sobretaxa, imposto, contribuição, ou outra coisa qualquer que se lhe queira chamar, irá totalizar 1.816,47 euros (mil e oitocentos e dezasseis euros e quarenta e sete cêntimos). Neste ponto é importante referir que não estou a contabilizar sanções aplicáveis aos subsídios de férias e de Natal.
Dito de outra forma, o Ministério da Educação, a minha entidade patronal, ao aplicar o n.º 8 do artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, ao longo de dois anos, não me pagará o equivalente a um salário.
Mas a aplicação deste normativo não desrespeita apenas o artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa, também o artigo 13.º está em causa: “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”.
Será que a carreira dos educadores de infância, dos professores dos ensinos básicos e secundários foi alterada? Isto é, o Decreto-Lei n.º 41/2012, de 21 de fevereiro, foi alterado? Será que foi revogado? Os professores não são todos iguais perante a lei?
Então porque estou a ser discriminado na minha remuneração salarial?
Agradecendo a boa atenção e a melhor resposta de Vossa Excelência, apresento os melhores e mais respeitosos cumprimentos,
Gil Nunes
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Educação

Obrigado FENPROF, obrigado FNE

Como a greve às avaliações finais não teve na sua génese a FENRPOF e/ou a FNE ela não teve, inicialmente, grande visibilidade na comunicação social. Tinha sido convocada pelo recém-criado Sindicato de Todos os Professores (S.TO.P).

Além disso, apesar do conhecido descontentamento dos professores, mais de 50.000 já se tinham manifestado no dia 19 de maio em Lisboa, o Ministério da Educação (ME) cometeu um tremendo erro de cálculo ao desvalorizar o impacto que esta poderia vir a ter.

Pode dizer-se que, sem querer, a FENPROF e a FNE contribuíram em larga medida para esta situação. Isto é, como estas duas plataformas sindicais só entregaram ao ME pré-avisos para greves às avaliações a partir do dia 18 de junho, este organismo do Estado ficou descansado.
Aliás, devem ter pensado que esta seria uma greve vazia de conteúdo. Mais uma. Os alunos do 9.º, do 11.º e do 12.º anos de escolaridade teriam as suas reuniões de avaliação, saberiam as suas notas, fariam os seus exames nacionais tranquilamente e iriam de férias até ao próximo ano letivo. Os restantes, teriam as suas notas lançadas, mais tarde, quando os professores estivessem cansados de fazer mais uma greve sem sentido, vissem o seu salário a derreter com o calor do verão e as suas férias em perigo.
Acontece que esta greve teve mais adesão do que seria de prever. E teve um impacto muito maior do que seria de esperar. Até a Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP) já tomou o partido. O do Governo é claro. Emitiu um comunicado a afirmar que a educação é um direito de todas as crianças
Não o li. Mas li a notícia do DN onde esta associação de pais deu a conhecer a sua posição. No essencial, a CONFAP pediu uma intervenção “urgente” ao ME para “acautelar” a situação dos alunos. Pediu também a alteração da legislação que regulamenta o funcionamento dos conselhos de turma de avaliação.
Ou seja, a CONFAP quer que a presença obrigatória de todos os professores neste tipo de conselhos de turma não o seja. Porque para a CONFAP, na pessoa do seu presidente Jorge Ascensão, aquelas reuniões “são apenas uma formalidade“, uma vez que “as avaliações já estão previamente decididas” pelos professores.

Mas atenção que para este dirigente associativo a greve dos professores às avaliações é legítima, permitida. No entanto, considera que esta instrumentaliza a “educação” e que hipoteca o futuro dos alunos. Afirmando que “os pais compreendem a luta dos professores, mas não podem compreender esta forma de luta, que prejudica aqueles que trabalham”.

Sem comentários…

Assim, o ME está a tentar emendar a mão de todas as formas possíveis e imaginárias. Mesmo que algumas dessas medidas sejam autênticos atropelos à constituição, à lei do trabalho em funções públicas e ao código do trabalho.

Ao mesmo tempo está a ir ao encontro das pretensões da CONFAP. Assim se explica o aparecimento da famosa nota informativa da Direção-Geral dos estabelecimentos Escolares (DGEstE), assinada pela mão da sua diretora-geral.

Esta nota informativa teve o condão de unir vários dirigentes sindicais, mesmo aqueles que não tinham nada a ver com esta greve. Até o grande Mário Nogueira já apareceu nos canais generalistas a classificá-la como um “delírio”, uma “fantasia”, “ilegal” e “inconstitucional”.

Mas não é a nota que me preocupa. A DGEstE e/ou o ME também já perceberam que a nota informativa não preocupa. O que me preocupa é esta mensagem aos diretores/presidentes de CAP:

 

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Disparates de 8.º ano - luz

Indica uma situação do dia a dia onde seja usada uma lente convergente.

Os espelhos (retrovisores) dos carros.

Por exemplo um espelho de maquilhagem.

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Educação

O ensino parece a seleção

Já não há paciência para “notícias” sobre a seleção nacional de futebol na televisão. Notícias entre aspas porque elas não são notícias: a seleção está quase a partir para a Rússia, a seleção está quase a chegar à Rússia, a seleção está quase…
Depois surgem os tradicionais “especialistas”. Comentam as “notícias” e, fatalmente, dão as suas opiniões. Sobre a seleção. As escolhas do selecionador. As habilidades dos jogadores. Etc, etc, etc.
O que me transporta, por vezes, para o ensino(*). Parece a seleção. Toda a gente, ou quase, tem uma opinião formada sobre o assunto. E, pior, ninguém se inibe de a exprimir. A escola e os professores são obviamente os mais visados.
A escola tem de mudar. Tem de se adaptar ao século XXI. Não pode continuar (n)a mesma. Parece que parou no tempo. É demasiado transmissiva. Autoritária. Burocrática. Não valoriza os alunos. Reprime a criatividade. É só matemática, matemática, matemática. E as artes? As artes também são importantes. A escola pública não presta. E os colégios privados? Ah, nos colégios privados é que é. Etc, etc, etc.
E quanto aos professores? Têm férias a mais. Não querem trabalhar. Não fazem nada. São uns preguiçosos. Mandam demasiados trabalhos para casa (TPC). Não sabem ensinar. Não querem ser avaliados. Têm privilégios a mais. Têm sindicatos a mais. Só sabem fazer greves. Ganham muito. Ganham demais. Não há dinheiro para lhes pagar. Os maus ganham tanto como os bons. Etc, etc, etc.
Mas a coisa não se fica apenas pelo comentário popular, também temos a opinião científica.
A escola é uma organização que se pode analisar a partir de muitas perspetivas. Pode ser estudada a partir de modelos de análise tais como: a anarquia organizada, o caixote do lixo, a arena política. Não sendo os únicos modelos de análise, de facto há mais, mas estes têm nomes bastante curiosos.
Quanto aos professores, o que dizem os nossos académicos. Bem, esta é uma semiprofissão. Ou, não é uma profissão de todo. Depende dos “investigadores”, sociólogos das profissões, da educação e afins. Mesmo que alguns destes estudiosos também sejam professores. Professores universitários claro. Não haja confusões. E porquê? Porque os professores não têm autonomia profissional. Não controlam a admissão de novos membros. O Estado controla-os, proletariza-os, desqualifica-os, desqualifica o trabalho deles. Etc, etc, etc.
E, claro está, falta a visão que os próprios tem sobre si mesmos.
O trabalho de professor é instável. Precário. Mal pago. Pior, só o do selecionador nacional (de futebol) quando perde. Vive angustiado. Longe de casa. Longe da família. Não sabe se vai ter escola no ano letivo seguinte. Vive em conflito, quase permanente, com o Ministério da Educação (devia ser do ensino!). Não se identifica profissionalmente com os colegas. Acha que ensinar não é o mais importante. Sente que a sociedade não o respeita. Não o valoriza. Não tem autoridade. Seja dentro, seja fora da sala de aula. Além disso, não se considera um trabalhador comum. Considera-se uma espécie de sacerdote a quem foi confiada uma missão essencial. E por isso não faz, nem pode fazer, greves às aulas ou às avaliações. Prejudicar os alunos? Nunca, jamais em tempo algum. Etc, etc, etc.
Curioso é que estes “estados de alma” encontram-se documentados em várias investigações científicas, não só nossa orgulhosa nação, valente e imortal, mas em variadíssimos países. No Brasil, por exemplo, Anna Raquel Machado afirma que

A massificação do ensino, o desenvolvimento científico acelerado, que o professor não tem condições de seguir, demandas sociais que se transformam aceleradamente e que exigem uma “qualidade de ensino”, da qual não se explicita nem o significado, nem o objetivo; todo esse conjunto de fatores tem levado o ensino a uma crítica social contínua e, consequentemente, à desvalorização do papel social do professor e a um sentimento de baixa autoestima. Os múltiplos papéis que os professores desempenham, o excesso de alunos nas classes, a pouca motivação dos alunos para o ensino escolar, os baixos salários, a multiplicação das horas de trabalho e até mesmo a violência física a que estão expostos os professores criam uma situação de trabalho extremamente difícil.

Assim, assistimos a uma espécie de reconfiguração da profissão docente, o professor é subordinado ao aluno e à família, os alunos e os pais são aliados, interioriza-se uma ideia de mercado, cada vez menos verdadeira, de que o cliente tem sempre razão.
Daniella Barbosa Buttler, autora do livro Professor – Uma Imagem Esfacelada?, de onde retirei a citação anterior, diz-nos que

Circula no ideário social uma imagem de que o ensino não é trabalho, mas um sacerdócio. Como se os professores tivessem um dom, fossem profetas e não trabalhadores. É urgente, hoje, valorizar a profissão do professor e essa valorização requer que a significação, as condições e as questões desse exercício sejam conhecidas, compreendidas, clarificadas, questionadas, renegociadas e reconstruídas. (…) É preciso que o leitor, ao entrar em contato com textos de revistas, esteja atento para perceber as imagens construídas por elas, que seja capaz de criar também outras imagens possíveis do docente. Cabe a nós, professores e pesquisadores contribuirmos para alterar o quadro com novos modelos de professores e resgatar o valor social desse trabalhador e desse métier particular que é o ensino.

Neste sentido, apesar deste texto se ter estendido para lá do razoável, termino com uma recomendação: a conferência TED de Ken Robinson Do schools kill creativity? Tem mais de 50 milhões de visualizações…
Nesta conferência Ken Robinson questiona o funcionamento da escola nos dias de hoje. Mas o que apreciei particularmente foi a história que ele contou de Gillian Lynne, uma bailarina de sucesso que tinha problemas de aprendizagem na escola. Onde é que Gillian ultrapassou estes problemas? Numa escola de dança. Perceberam? Numa escola de dança. 🙂
(*) Deveríamos ter um ministério do “ensino” em vez da “educação”. Enquanto o primeiro termo resume aquela que é a principal função dos professores, o segundo termo corresponde à responsabilidade que muitos pais e encarregados de educação têm dificuldade em assumir.
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Educação

Sem evolução, não há negociação

No dia 19 de maio participei numa das maiores manifestações de professores realizadas desde os tempos da “Lurdinhas”. Éramos mais de 50.000 a demonstrar o nosso descontentamento pela Avenida da Liberdade abaixo.
Tive nesse dia a oportunidade de cumprimentar Jerónimo de Sousa, o secretário geral do Partido Comunista Português – eu, a minha careca e o vovô Jerónimo. Aproveitei a ocasião e perguntei-lhe pela minha carta aberta sem resposta por parte do PCP. Os assessores que o rodeavam perguntaram-me logo se a carta tinha alguma coisa a ver com o artigo 19.º. Não fazia ideia do que poderia tratar semelhante artigo, nem a que lei poderia pertencer…
Neste início de semana, a comunicação social encarregou-se de me esclarecer, pertence à Lei n.º 114/2017, mais conhecida por lei do orçamento do Estado para 2018, e afirma que:

A expressão remuneratória do tempo de serviço nas carreiras, cargos ou categorias integradas em corpos especiais, em que a progressão e mudança de posição remuneratória dependam do decurso de determinado período de prestação de serviço legalmente estabelecido para o efeito, é considerada em processo negocial com vista a definir o prazo e o modo para a sua concretização, tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis.

Por outras palavras, o Governo obrigou-se legalmente em dezembro de 2017 a negociar em 2018 a forma como os professores, entre outro corpos especiais da função pública, irão recuperar 9 anos, 4 meses e 2 dias de tempo de serviço congelado.
Mas, pelas palavras do Ministro da Educação, na segunda-feira depois de algumas reuniões com sindicatos de professores, e do Primeiro Ministro, na terça-feira na Assembleia da República, percebe-se que publicar uma lei em Diário da República e dar cumprimento a essa mesma lei requer valores e princípios que nossos governantes não possuem.
Aliás, a afirmação “não havendo evolução, não há mais negociação” diz muito dos valores e princípios do senhor António Costa.
Qual é a parte do artigo 19.º é que o senhor Primeiro Ministro não percebe? Aquela que se refere ao tempo de serviço? A todo o tempo de serviço? Ou aquela em que se obriga a negociar o prazo e o modo como se irão concretizar as progressões?
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Adeus Portugal

Que comprimido queres tomar, o vermelho ou o azul?

Em 2012, assisti a algumas conferências que integravam o colóquio internacional A crise da(s) socialização(ões)?, organizado pelo Instituto de Educação da Universidade do Minho, em parceria com outras entidades.
A pedido do Professor Almerindo Janela Afonso, no âmbito do mestrado que estava a fazer na altura, escrevi um pequeno texto sobre o evento que reproduzo de seguida. O objetivo era relacionar algumas ideias dos palestrantes, o nosso contexto socioeconómico, resultante das graves crises de 2008 e 2011. Visto a esta distância, o atual contexto não me parece muito diferente.

As conferências a que tive oportunidade de assistir, inseridas num colóquio que abordou temáticas de teor porventura mais vastas, apresentaram-nos uma visão extremamente pessimista, do meu ponto de vista, da atual vida em sociedade.

Por um lado, Jean Ruffier teve a “amabilidade” de nos recordar que vivemos numa sociedade em que há uma elite que nos manipula sistematicamente, devido a uma tendência absurda, que nos é intrínseca, para a obediência. Tendência devidamente comprovada por Stanley Milgram com a sua famosa experiência sobre a obediência à autoridade. É de assinalar que esta experiência teve a pretensão de perceber como é que um ser humano consegue infligir um sofrimento fatal a outro ser humano, só porque obedece a ordens dadas por outro ser humano.

Por outro lado, a tríada esperança, promessa e futuro, nas palavras de Moisés Martins, parece irremediavelmente comprometida: não vamos ter futuro, nem vale a pena ter esperança nas promessas que nos fazem! Somos apenas escravos, numa prisão que não conseguimos ver, nem sentir…

Por momentos, parece que somos transportados para o “imaginário” construído pelos irmãos Wachowski, que em 1999 realizaram o filme Matrix. Temos à nossa frente Morpheus que nos dá a escolher entre tomar o comprimido azul ou o comprimido vermelho.

Clica aqui para recordar esta cena do filme.

Se nos decidirmos pelo comprimido azul, vamos poder acordar na nossa cama e continuar a acreditar naquilo que quisermos. Estratégia que faço corresponder a acatar passivamente o que nos é imposto.

Se nos decidirmos pelo comprimido vermelho vamos poder conhecer a verdade e todas as suas consequências. Estratégia que faço corresponder às palavras de Manuel Jacinto Sarmento ao encerrar o colóquio: depois de todo este pessimismo é chegado o tempo do optimismo da ação.

Lembrei-me deste texto a propósito da discussão gerada no Facebook, intensa e muitas vezes pessimista, por causa do anúncio da greve dos professores às avaliações.
Devo dizer que nas escolas a discussão não é tão intensa. Aliás… não existe discussão sequer. Anda tudo muito tranquilo. Por isso, deixo aqui duas sugestões musicais do António Variações que me parecem muito apropriadas ao momento. Uma espécie de comprimido azul versus comprimido vermelho:
  1. Estou Além
  2. Muda de Vida

Como donos de um enorme capital cultural que os caracteriza (tenho de voltar a este tema), os professores saberão interpretar tudo isto e escolher qual o melhor comprimido. Ou talvez não…

Atentem, no entanto, à simplicidade destes versos:

Olha que a vida não
Não é nem deve ser
Como um castigo que
Tu terás que viver

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Adeus Portugal

Uma enorme carga fiscal

Neste dia feriado ficamos a saber que o gás natural é mais caro em Portugal do nos restantes países da União Europeia. E que, eletricidade mais cara, só mesmo na Alemanha. Ou seja, mais de 50% do que pagamos às empresas que comercializam este tipo de energia vai diretamente para o Governo do senhor António Costa.
O que acresce ao que já sabíamos acerca dos combustíveis. Do que pagamos para encher os depósitos dos nossos automóveis, cerca de 60% são também entregues ao Governo. Seja por via do IVA, que tem em Portugal uma das taxas mais elevadas da União Europeia, ou do ISP. Imposto que o nosso Governo gentilmente aumentou em 2016, 2017 e 2018, mesmo depois de apregoar, até à exaustão, que virou a página da austeridade.
Resta-me por isso agradecer ao meu adorado Governo, a oportunidade que me tem concedido de poder contribuir, diariamente, para aquela que será provavelmente a carga fiscal mais elevada das últimas duas décadas. Ainda maior do que a do ano passado.
O Governo português é, sem dúvida, o melhor amigo do contribuinte! Se os meus impostos não fossem tão elevados, talvez desse uma ajuda ao Ronaldo para pagar os dele.
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Adeus Portugal

Os professores, os alunos e o futuro por descobrir

jornal Público anuncia novas mudanças (outra vez…) para os ensinos básico e secundário. Com tantas mudanças, algumas vezes curriculares, outras vezes organizacionais, os professores já nem ligam. A maior parte já desenvolveu uma estratégia para, aos poucos, se alienar de uma realidade cada vez mais delirante.

Eles são os objetivos que passaram a conteúdos, que depois cederam o lugar às metas, de aprendizagem primeiro e curriculares depois, para finalmente darem origem às aprendizagens essenciais. Para (é favor ler pára) tudo! Falharam-me os programas, as orientações curriculares, as competências e/ou as competências-chave. Ufff…

A cada novo ministro da coisa educativa, nova, rica e abundante nomenclatura pedagógica surge no horizonte escolar. É claro que, com o avançar da idade, não há memória que lhe resista.

Porém, apesar da idade, tenho pelo menos dois motivos para me sentir parte integrante de um grupo profissional cada vez melhor(!), cheio de super-homens e de super-mulheres (ou de mulheres-maravilha, caso se prefiram super-heroínas que não voam).
Primeiro motivo:
Alunos do 8.º ano durante a realização da prova de aferição de Educação Visual, numa escola do norte de Portugal.

Os nossos alunos têm ou não têm muita pinta? Andamos ou não andamos a prepará-los para uma vida dura e competitiva? Até parecem atletas de alta competição!

Segundo motivo: o último parágrafo da notícia que deu origem a este texto.

Para o Governo, o novo diploma “representa mais um passo na concretização de uma política educativa que garanta a igualdade de oportunidades e promova o sucesso educativo”, vai “desenvolver nos alunos competências que lhes permitam questionar a sabedoria estabelecida” e levar a que as escolas possam “preparar as crianças para tecnologias não inventadas e a resolução de problemas que ainda se desconhecem”.

O negrito e o sublinhado são meus. E em caso de dúvida é favor reler este parágrafo.

A minha primeira reação foi, quem escreveu aquilo esteve num jantar onde se contavam piadas sobre o casamento, do género, ah e tal, a esposa (o marido) ajuda a resolver problemas que não existiriam se fosses solteiro(a), etc e tal.

Pois, mas o Governo emitiu mesmo um comunicado que afirma, no seu ponto 4, uma mudança no sentido de garantir a igualdade de oportunidades e promover o sucesso educativo:

A materialização deste objetivo, já inscrito na Lei de Bases do Sistema Educativo, bem como os desafios decorrentes da globalização e desenvolvimento tecnológico, obrigam as escolas a ter que preparar as crianças para tecnologias não inventadas e a resolução de problemas que ainda se desconhecem.

O negrito e o sublinhado são outra vez meus… Não resisti.
É impressão minha ou alguém bateu com a cabeça? Terei sido eu? Ou este quotidiano é cada vez mais delirante?
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Adeus Portugal

Virar a pagina da austeridade

Todos os sábados, tenho por hábito ler a crónica de Alberto Gonçalves no sítio do jornal on-line Observador. Aprecio particularmente os textos deste sociólogo porque têm o condão de me ajudar a tolerar um quotidiano que demasiadas vezes se me afigura como delirante.
Ontem, porém, não pude ler o seu último texto. Fui a Lisboa, a capital do império como habitualmente me refiro a esta cidade, dar conta do meu descontentamento face à forma como a minha entidade patronal, o Ministério da Educação, me tem tratado ultimamente. Não fui sozinho, parece que me acompanharam nesta empreitada mais de 50 mil professores e educadores.
No entanto, os meios de comunicação social televisivos resolveram dividir as suas atenções entre o casamento “real” e aquela personagem que dirige os destinos do Sporting, clube do qual sou um adepto cada vez menos fervoroso, diga-se de passagem.
Ou seja, só hoje li mais uma excelente crónica de Alberto Gonçalves: “Portugal, terra de fé”.
Nem de propósito. Apesar de a ter escrito antes da manifestação em que tive o privilégio de participar. Acompanhado por profissionais de excelência, que diariamente dão o seu melhor, muitas em vezes em condições que… sabe Deus… Alberto Gonçalves toca num ponto que descreve exatamente o que sinto relativamente a um binómio* cada vez mais estranho, governo + comunicação social:

Virar a página da austeridade é um processo complexo e permanente. Implica, por exemplo, subir a cada semana o preço dos combustíveis, além de aumentar outros impostos conhecidos e criar alguns novinhos em folha. É curioso que a receita para o sucesso se confunda tanto com um fracasso – e um roubo sem precedentes. Felizmente, é para isso que existem os “media”: para evitar confusões.

* “binômio” expressão algébrica composta de dois membros unidos por sinal positivo ou negativo, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.